segunda-feira, 11 de julho de 2011

Suicidas Invisíveis

São jovens senhores e senhoras
se despedindo dos agoras.
Desembarcam da vida
antes que se cumpra o destino,
antes de escrito o percurso,
sem giletes, sem tiros,
sem cortar os pulsos,
sem se jogar dos edifícios,
sem abrir o gás
dão pra trás na lida,
focados no passado e suas dores,
no pretérito de suas frustrações,
no fungo dos rancores.
Esses personagens e suas ações
vão dando cabo do viver,
começam a produzir a morte
e ninguém vê.

Diante da televisão,
presos à Internet,
cativos de shoppings e dopings,
eliminam todos os confetes,
desconsideram as comemorações para o novo dia,
odeiam vésperas de alegria,
desprezam os inoportunos sóis
que anunciam que a vida continua.

Sem cartas, sem avisos,
sem marquises,
sem os comprimidos assassinos
e seus vidros vazios ao lado,
escolhem o lado do dado
que não tem jogada nenhuma.

Os suicidas invisíveis
veem esmola na cara do carinho,
não suportam a esperança do vizinho,
matam-se devagarinho
no meio da sala,
na mesa do jantar,
diante dos hambúrgueres,
atrás das taças transparentes de vinho
e ninguém ora.
Sem alarme, sem chavão,
sem investigação,
o suicida invisível
não sai no jornal
nem passa na televisão.

Não virá o baile,
não virá o passeio,
o cinema,
o novo amigo,
o encontro,
a compreensão.

O suicida invisível
se mata na nossa cara
e, como não se nota,
não se pede explicação.
Aperta o botão da morte,
encerra sua condição,
sai antes do fim do filme,
antes de acabar a sessão.

O amor não virá,
não virá a felicidade
em sua homeopática e antipática dose.
Virá talvez o mais rápido possível
algum câncer ou trombose,
alguma artrose de falta de movimento,
filha da falta de caminho.
O beijo não virá,
não virá o sonho realizado aos pouquinhos.

Os suicidas invisíveis
dizem com o seu “não bom dia”,
com seu rancor,
com o seu medo,
com o seu horror:
eu estou me matando agora.

E ninguém liga
e ninguém pára
e ninguém olha
e ninguém chora.
São Paulo, 14 de junho de 2001.

[Elisa Lucinda, A Fúria da Beleza.]